segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

COMBATE ÀS OPRESSÕES E A LINGUAGEM

A esquerda se preocupa em pensar a luta contra opressões em profundidade. No que diz respeito à linguagem, assunto deste post, também protagoniza o debate a respeito de formas de linguagem que oprimem.

Não quero chover no molhado ressaltando a necessidade e importância de tal debate. Quero, pelo contrário levantar uma crítica em relação às diversas situações onde a esquerda, digamos, caga no maiô. Isso porque, com altíssima frequência, vejo a militância vetando formas opressoras sem colocar nada no lugar. Creio que isso fomenta o sentimento de censura que o senso comum apregoa, mas, acima de tudo, o vácuo que permanece na criação de formas pautadas em ideais progressistas como igualdade, liberdade, respeito, justiça. Vou explorar algumas experiências pessoais:

Os palavrões são um bom exemplo. A maioria esmagadora deles tem um viés machista, racista, homofóbico, transfóbico. O ideal é que, a partir dessa constatação, os palavrões saiam do nosso vocabulário, mas o mundo não é ideal e há aqueles dias que... são fodas! Nós falamos palavrão!

Daí me vem a lembrança de certa discussão com uma amiga feminista que xingou um motorista babaca de brocha. Depois, conversando a respeito, ela justificou que essa forma atingiria o tal motorista no cerne do seu orgulho macho, reforçado por uma cultura falocêntrica, onde ser brocha não é uma coisa legal.

Outro exemplo: em determinado momento da plenária final do 11º Congresso dos Estudantes da Unicamp eu solicitei um "pedido de informação" à mesa em vez de um "pedido de esclarecimento". O Movimento Negro discute que claro/esclarecer é um termo racista - quando dizemos escurecer ou enegrecer não é à toa - logo, não acho legal ter esse termo valorizado num espaço construído pela esquerda pelos motivos que já expus. Imediatamente fui "corrigido" com o termo corrente; reafirmei minha escolha vocabular e justifiquei o porquê dela. Pensei que após minha intervenção xs presentes iam utilizar "pedido de informação", mas mal passou duas falas e chegou outro "pedido de esclarecimento".

Em outra situação eu debatia com um amigo que estuda filosofia também sobre o termo esclarecer. Eu explorava o viés positivista do termo enquanto ele se pautava a existência da palavra no Mito da Caverna do Platão. Argumentação plausível, mas devolvi dizendo que o mito platônico trata de luz e sombra e não numa hierarquia de "ideias claras" acima de "ideias escuras".

Ele me pareceu convencido, mas receoso. Convenhamos: "claro" e "esclarecer" são de uso corrente. Como substituir tais expressões? No fim, já que ele se baseava na luz da caverna de Platão, propus que utilizasse "elucidar". E a impressão de receio passou.

Sendo bem direto, o que quero demonstrar com essas situações é que em todas houve propostas de substituição, coisa que não verifico na maioria dos debates travados em relação ao tema. Discute-se muito as raízes dos termos, e preocupa-se apenas em vetar formas opressoras sem oferecer novas possibilidades de linguagem.

A seguir algumas dicas:

DICAS DO MAU #1

Ninguém gosta de ouvir alguém dizer o que deve fazer. Por isso, procuro sempre fizer "evite usar isso" em vez de "não use isso".

Tem gente que não aceita ouvir imperativos nem da mãe imagine de um militante de esquerda metido à besta!

DICAS DO MAU #2

- Evitar o termo denegrir: usar depreciar/prejudicar/danar(causar dano);
- Evitar o termo judiar: usar maltratar;
- Evitar usar a expressão "travestidx de": use "disfarçadx de";
- Evitar usar o termo esclarecer: usar evidenciar/destacar/elucidar.
- Evitar usar a expressão "é claro": usar "é óbvio".

DICAS DO MAU #3

Sempre que x amiguinhx, principalmente xs de esquerda, cagar no maiô e soltar um "viado!" na intenção de xingar, além de eventuais desculpas, peça que elx procure sinônimos para o xingamento. Isso permite que a pessoa reflita sobre a implicação daquela escolha a partir do que conhece e que reconheça o quanto isso te ofendeu.

DICAS DO MAU #4

Todo mundo escorrega. Diante disso há duas opções: jogar pedra ou ajudar a levantar. Ambas são válidas - especialmente para quem foi oprimidx, a primeira é a quase automática -, mas eu prefiro a segunda pelo aspecto pedagógico.

Não devemos esquecer de forma alguma que o socialismo é um mundo a ser construído; por mais que já haja contribuições substanciais, não é uma ideia acabada. Penso que é tarefa da esquerda oferecer opções de linguagem, pois, assim, contribui para o combate às opressões e para a criação e fortalecimento do imaginário do mundo com que sonhamos e pelo qual lutamos.

Obs.: Hoje, toda vez que eu utilizo ou escuto "elucidar" lembro do Mito da Caverna.

Nenhum comentário:

Postar um comentário