segunda-feira, 30 de abril de 2018

MAU, MAU MESMO E MAURÍCIO

Para quem nasce numa família negra da classe trabalhadora brasileira as coisas mais banais têm peso de chumbo. Meu nome, por exemplo, deriva da palavra mouro, referência ao povo que dominava o norte da África por muitos séculos, e significa "aquele que tem a pele escura". Combina comigo que sou negro, é elegante, serve para qualquer fase da vida e me dá uma infinidade de apelidos. Entretanto, escrevo porque o assunto é menos simples que essa definição e envolve também meu sobrenome.

Maurício de Souza

Minha mãe, Iris, gostava muito das histórias em quadrinhos da Turma da Mônica e achava muito bonito o nome do seu criador, Maurício de Souza, a ponto de decidir que, se tivesse um filho, teria o mesmo.

Maurício, meu pai

Na juventude dela, namorou um Maurício. A relação entre eles resultou em um casal entre os quatro filhos dela. O menino, conforme decidido, se chamou Maurício. Prazer.

Maurício, sem pai

Depois de um "relacionamento conturbado", como D. Iris se refere até hoje, e a posterior separação, Maurício pai não registrou nenhum dos filhos de boa vontade, chegando até a exigir um exame de DNA como condição para cumprir suas responsabilidades. Eu, Maurício filho, já usava os dois sobrenomes da minha mãe e não via nenhum problema com a falta do dele.

Maurício, com pai

Assim que foi comprovado o que todos os envolvidos sabiam, eu e minha irmã do meio recebemos seu sobrenome. Eventualmente para minha mãe isso tenha representado um sentimento de justiça pela humilhação da desconfiança paterna, porém sem a pensão que deveria vir junto isso não significou nada na minha vida. Apesar do registro, eu sempre usei o nome da minha mãe socialmente, me sinto mais à vontade. O outro eu só uso para mover burocracias e já pensei em tirá-lo inúmeras vezes, mas o processo é muito caro. 

Em nome do pai?

Tudo corria bem até a decisão por seguir uma vida acadêmica, que me levou a inúmeras questões: como fica minha citação bibliográfica que me obriga a usar o último nome? Decido pelo burocrático ou pelo social? Por que me apresentar no meio universitário com um sobrenome que tenho por causa de um juiz? De alguém que não me criou nem sustentou? Porém, como desprezá-lo completamente sendo que minha mãe brigou tanto para consegui-lo? E que, afinal de contas, só significa que sou filho de quem sou? 

Eu nunca imaginei que teria que tomar esse tipo de decisão, banal como uma tonelada de chumbo. É uma das tantas coisas da minha vida que tive que refletir e me posicionar completamente sozinho. O resultado a que cheguei quando fiz meu currículo Lattes foi me apresentar com meus últimos dois nomes, SANTOS NASCIMENTO. Pode não ser o ideal, mas significa que minha identidade acadêmica começa com ela, não com ele. 

Na III Jornada do GELCA, ocorrida semana passada, eu fiz a primeira mediação de mesa desde que entrei no mestrado e me dei conta que o social nesse meio onde escolhi ocupar politicamente e fazer minha carreira exige que eu fortaleça essa identidade acadêmica. Dada a importância que o Facebook tem hoje como cartão de visitas e como consequência de todo esse entendimento, resolvi trocar o meu nome na rede também.

O Mau ainda é o mesmo. :)