quarta-feira, 24 de junho de 2015

SOBRE TURBANTES E APROPRIAÇÃO CULTURAL

A discussão sobre apropriação cultural não é nova. Basta observar o que já se fala sobre a história do rock e do jazz para constatar as origens negras por trás dxs intérpretes brancxs. O fôlego novo veio com muitas discussões nas redes sobre o uso de turbante: brancxs podem usar turbante?

Muito tem sido debatido no conjunto da esquerda e, regra geral, as conclusões divergem; acompanho de perto a oposição entre movimento negro e universidade. Enquanto o movimento discute a apropriação e o impacto de elementos da cultura negra representados por pessoas brancas e tomado posturas mais diretas (vetando turbantes a pessoas brancas), a universidade tem falado que trocas acontecem e que a cultura não tem dono. Nenhuma dessas posições me contempla e, por isso, escrevo esse texto.

É claro (e a expressão é propícia) que a universidade, em larga medida, opera para o lado mais branco da força. Apontar as contradições do lugar de fala de quem deslegitima o assunto é o caminho mais usual, mas me arrisco a opinar sobre a linha defendida.

O argumento que a cultura não tem dono e que uma não se apropria de outra porque elas estão em constante contato e troca esbarra na constatação que nem todos têm o mesmo poder sobre elas. A burguesia, branca e racista, tem interesse em interferir na cultura não apenas para gerar mais lucro, mas também para construir sua hegemonia nos valores da sociedade. À sua disposição, a propriedade privada dos meios de produção: uma poderosa indústria cultural (cinema, televisão, música, jornalismo, publicidade) com grandioso poder de influência sobre ideias, comportamentos, gostos. Logo, abandonemos a divagação: a cultura não tem dono, mas a indústria cultural sim; e os valores desses poucos são projetados para milhões.

Essa esteira de produção, para mim, é o eixo central dessa discussão porque é onde acontece, de fato, a apropriação e o embranquecimento. O mercado se apropria de um bem cultural para vender, convertendo-o em um produto genérico, pronto para ser consumido por multidões e é nessa transformação que opera o embranquecimento de elementos da cultura negra.

A mesma indústria que silencia sobre o combate ao racismo e por vezes o estimula sutil ou explicitamente é a mesma que tentou, tenta e tentará minimizar - ou esconder - a contribuição do povo negro para a cultura popular. Dizer que há apropriação cultural, portanto, é concreto, legítimo e necessário.

Tratando especificamente do turbante, grandes revistas nacionais e internacionais anunciaram-no como "o acessório do verão", com amarrações e estampas tipicamente negras sendo usados por modelos brancxs. Nenhuma das publicações se preocupou em falar do turbante como um símbolo de luta, sobre orgulho, protagonismo ou racismo. Exemplo palpável do que já descrevi acima.

O turbante tem um peso político pelo que significa suas texturas, suas amarrações, os rituais religiosos a que está atrelado, que são de matriz africana. Além disso ele vai se tornando, à medida que se permite exibir o volume do nosso cabelo, um dos únicos acessórios para se usar na cabeça - porque tiaras, chapéus servem mais para cabelos de baixo volume. O turbante, para nós, está atrelado ao black, ao pertencimento e ao orgulho negro e isso não é pouco para quem já teve tanta coisa roubada.

Penso que outros caminhos poderiam ter sido tomados, mas todos os pontos descambaram para a questão inicial: brancxs podem usar turbante? Eu considero que sim porque a solução para esse problema não começa nem termina nos sujeitos. Quando brancx usa turbante "está na moda", quando negrx o faz "é da macumba"; e no país em que vivemos só o primeiro é elogio. Compreendo a raiva que essa constatação provoca, também a sinto, mas vetar ou arrancar turbantes de pessoas brancas na rua não resolve a apropriação cultural, o roubo do protagonismo, nem o racismo.

Apesar disso, acho que às pessoas brancas cabe ouvir nossas críticas e problematizar seu lugar de privilégio em relação ao adereço. Diferente de nós, elas não sofrem nenhum estigma, não tem que pensar duas vezes antes de decidir usá-lo. Com ou sem turbante, brancxs continuam brancxs.

Prefiro um caminho que fortaleça a demanda por representatividade aliada à luta pela democratização dos meios de comunicação e criação mídias negras massivas, por exemplo. Ainda temos a necessidade de ter protagonistas negrxs nas novelas, filmes e propagandas; âncoras negrxs nos telejornais, apresentadorxs negrxs nos programas de TV; que tenham a nossa cara, que falem a nossa língua sobre nossos assuntos. Uma vez representado, o povo negro se sentirá mais à vontade de tomar pra si o que sempre foi seu.

A novela "Duas Caras" exibiu a atriz Juliana Alves lendo o livro "Não Somos Racistas" do diretor de jornalismo da Globo Ali Kamel.



O livro defende que não somos um país racista e que as políticas de combate ao racismo adotadas nos primeiros anos do governo Lula estimulavam a divisão do país e ovacionava a "miscigenação".

Interessante que antes, durante e depois da novela e do livro a grade da emissora ainda é majoritariamente branca.

Em 2008 as protagonistas da novela das 9 da Globo, "A Favorita" participaram de uma campanha de moda usando turbantes. 


O turbante fica baixo na cabeça delas, não? Será que alguém pensou que elas eram adeptas de religiões de matriz africana? Por que modelos negras não participaram da campanha? Por que atrizes negras não protagonizaram a novela? Será que o Ali Kamel e os Marinho tem interesse em ver o povo representado na emissora global?